Caro leitor, existe uma chance grande de que você joga, já jogou ou já teve vontade de jogar com os Space Marines, elite tática de choque do Império do Homem. Tão divulgados pela GW, não é fácil encontrar um momento em que eles não sejam destaque. Seja na forma de ilustrações, conteúdo de caixas para iniciação ao 40K e até mesmo na ótica usada para descrever as raças alienígenas em seus próprios codexes, os Space Marines estão sempre por lá.
Permitam-me expressar minha opinião pessoal de maneira bem direta: para mim, o foco do Warhammer 40K deveria estar na Guarda Imperial. Considerando que a quantidade de Space Marines perdidos pela imensidão da Galáxia aonde se passa a estória deve ser de, no máximo, 1 milhão e quatrocentos mil Marines e que a Guarda Imperial deve ter até uns duzentos ou trezentos bilhões de soldados, é esquisito ver como o foco do jogo faz com que passemos a vida vendo muito mais soldados dessa tropa de elite do que das multidões da Guarda Imperial.
E essa coisa de que todo mundo quer ser um super-soldado e expressa essa projeção através da aquisição dos Space Marines não cola: assistir aos feitos de superação dos lascados da Guarda Imperial e se imaginar no lugar de um deles pode ser tão divertido quanto. Lembremos dos Fuzileiros Espaciais das séries Doom, Quake e Aliens.
Sendo assim, considerando que existe uma grande chance que você é envolvido ou já se envolveu com os Marines, abordarei hoje um tópico nem sempre discutido nas rodas de conversa sobre o universo do Warhammer 40K: o comportamento da maioria dos Marines para com a população civil. Pincelarei também sobre as atitudes nem sempre tão legais do Império do Homem para com seus habitantes.
Os Space Marines, devido as circunstâncias de marketing desde a sua criação, criaram a impressão para a maioria das pessoas que não lêem o material da Black Library (eu incluído) de que eles são uma espécie de Super Mouse* do universo do 40K. Um grupo de elite que chega do além para chutar o traseiro inimigo e impedir que a desvalida companhia da Guarda Imperial, que já estava nas últimas, morra. O 40K é cheio de situações assim.
Devo salientar porém que os Marines estão mais para o B.O.P.E. do filme Tropa de Elite: eles salvam os policiais sem se misturar, falando grosso e ainda botando-os para carregar os corpos no final. Após isso, se mandam sem maiores explicações. Esse estereótipo não pode ser considerado gentil, pode? Pois bem, funciona assim na maioria das vezes. Os Space Marines, não nos esqueçamos, são um bando de fanáticos religiosos que passam o dia rezando e lutando, sofrem uma forte lavagem cerebral, já não são mais formalmente humanos e ainda por cima tem os melhores armamentos do Império.
Imagine que você conheça um cara taciturno, de passado duvidoso, misterioso, grosso, arrogante, que lhe vê como um ser inferior, fanático religioso e que você ainda por cima desconfia que te enfiaria a faca pelas costas se houvesse um motivo que ele achasse justo. Essa seria mais ou menos a transcrição de um Space Marine para a nossa realidade, sem mencionar que esse seu conhecido provavelmente portaria algumas armas na cintura e pior: ele teria mais um monte de amigos.
Com exceção de pouquíssimos Capítulos como os Lobos Espaciais e os Salamandras, os Marines estão se danando para a população da maioria dos planetas que eles acabam salvando. A reação na quase totalidade das vezes é de indiferença: daí para pior. Em poucos casos como os mencionados há três linhas, pode ser melhor sim.
Isso sem mencionar os massacres cometidos por Capítulos de Space Marines durante certas ocasiões: o mais chocante para mim foi o cometidos pelos Mãos de Ferro, no qual eles foram enviados para um sistema que cansou da maluquice e atraso social do Império e tentou criar uma sociedade nos moldes da nossa Terra contemporânea. Funcionou bem até a invasão, quando os Mãos de Ferro exterminaram 2/3 da população para que o resto do pessoal lembrasse do que acontecia com “traidores”. Não lembro se pouparam mulheres, crianças ou idosos.
Eu não diria que coisas assim acontecem porque existe contaminação do Caos nos Marines ou porquê eles simplesmente tem o “Diabo no corpo”. É difícil você dar valor a um passado que já se foi fazem muitas décadas de reforço diário da sua nova condição. Ao se tornar um Space Marine, um indivíduo tem que morrer para poder então nascer denovo. Essa desvinculação com todos os aspectos culturais, filosóficos, sociais e mentais que a condição de “ser humano normal” exercia gera um desapego profundo. O próprio Space Marine deve ver o seu antigo eu como um alienígena comparado ao que ele é atualmente.
Então pessoal, quando forem jogar com seus Space Marines novamente, não se esqueçam do que eles são. Uma máquina de guerra.
E quanto ao Império...um grande espaço físico habitado por uma infinidade de culturas diferentes unidas por um credo a um ser que ninguém nem sabe se era humano, quanto mais se ainda está vivo. Não consigo deixar de pensar no Imperador e não lembrar do Jesus. As semelhanças são óbvias. Até o Judas está presente. Na vida nada se cria...
Uma breve análise das condições gerais do Império mostram que este ainda não ruiu por um milagre (da Games Workshop?) e passa os anos caminhando no fio da navalha. Como se não fossem pouco o Caos, os Tiranídeos e o Império Tau, ainda há todo o risco de dissidência interna que já ocorreu denovo e, devido ao inchaço enorme do qual o Império padece, vai acontecer denovo. É difícil ser grande, gente boa.
Basicamente quem mantém essa muvuca toda no lugar é o Administratum e o Eclesiário (Tradução correta)? Um cuidando da parte administrativa e o outro da parte religiosa. Como vocês devem saber, esses aspectos são rigorosamente mantidos no lugar na base da bala e da imolação. Práticas que a nossa sociedade considera bárbaras são coisa comum em boa parte do Império. Quando falamos de Fantasy, até que vai, já que o Império de lá é medieval. No 40K, por outro lado, aplica-se um medievo futurista, aonde nem os piores Cyberpunks conseguem chegar perto.
Existem poucos lugares no universo do 40K aonde não se encontra um ambiente funesto cheio de prédios com caveiras e águias de duas cabeças (meu Deus, isso é normal!). Planetas-Paraíso, feitos para o descanso dos milhões que formam a elite universal, são um lampejo de sanidade em meio a um background tão grotesco.
O exemplo típico de como as coisas são negras no cotidiano Imperial é o comportamento dos Witch Hunters no Dawn of War: Soulstorm. Eles chegam no sistema dizendo que todo mundo é herege, seja Imperial ou não, que todos têm que padecer nas chamas da absolvição e que quem não achar bom vai morrer do mesmo jeito, só que não terá a alma salva. Se lembram dos julgamentos das bruxas na idade média? Se afundasse e morresse afogada, era inocente e iria para o céu. Se não afundasse, era culpada e seria morta também, só que indo para o Inferno depois.
Isso sem contar que, no citado jogo, os Witch Hunters saem confiscando tudo o que for necessário para a sua estadia nos territórios e adivinhem o que eles dão em troca? Uma banana bem grande. Na verdade eles afirmam que o Imperador recompensará os espoliados com seu amor infindável...agora me diga se você acha isso aceitável .
Finalmente, falarei da atitude blasé que afeta o com grande força Império e, em menor intensidade, toda e qualquer sociedade. Por atitude blasé, os estudantes de ciências sociais poderão atestar, entenda-se uma atitude de indiferença-alienante-induzida em relação a um ou mais temas. É, antes de tudo, uma maneira de se auto-preservar. Não podemos e não damos conta de termos contato com tudo. Isso é super normal, mas gera-se uma dificuldade para criar-se um link afetivo com as coisas das quais o indivíduo se aliena. Se você, meu caro leitor, às vezes esquece que aquele pessoal que passou ao teu lado hoje na rua não são apenas números, imagine como seria se você elevasse esse pensamento para o nível interplanetário.
Um comentário:
Cara, apenas alguns comentários:
Eu sempre achei meio óbvia a conexão do imperador com Jesus Cristo, a começar pelo título de "Salvador da humanidade". Mas o engraçado é que eu reparei que nunca tinha ouvido ninguém comentar sobre isso... curioso.
Já sobre o universo de 40K, bom... ele também é um tanto óbvio. Ele certamente é cruel e estranho aos nossos olhos, principalmente porque pensamos nele como ficção científica, mas a grande verdade é que se trata de um cenário de fantasy com naves espaciais. Se fossem barcos voadores que cruzassem o espaço, nem se ia sentir a diferença!
É mais ou menos o cerne do estilo "Space opera", derivado do livro com o mesmo nome, e todos os seus sucessores.
Warhammer segue o mesmo caminho e seu universo é, fundamentalmente, medieval. Talvez seja isso que nos deixe um tanto desconfortáveis ao pensar na vida cotidiana desse universo. Os space marines são nada mais que ordens de cavalarias, como templários, hospitalários ou outros que o valham. Eles têm um cunho de "nobreza" sobre eles o que os possibilita estar acima da pessoa comum. O mesmo acontece com nobres e governadores planetários. Cada "Imperial Commander" é um barão, e cada mundo imperial ou sistema planetário é um feudo. E como um feudo, tudo o que está dentro dele pertence ao seu senhor, que só deve satisfações ao seu próprio senhor, o imperador. Ele administra as posses do imperador, mas ao mesmo tempo que o faz, as possui a um certo nível. Pessoas incluso.
É mais confortável olhar para a idade média européia do que para o futuro, ao se lidar com o universo de warhammer.
Orion Deckrect.
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