quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Sou o que possuo

Sou o que possuo


Tenho muitas coisas
Muitas delas me têm
Não importa o discurso
Só escuto o que convém

Esse é o retrato
Da parte ruim do meu ser
Que foi ensinado a viver
Como se deve ser

Se é isso que se deve caber
A pessoas normais, como eu e você
Imagino o que será do tempo futuro
Até o Criador está em cima do muro

Tudo começa com a análise do que você tem
Com pouco dinheiro ou status, paciência meu bem
Você provavelmente não agradará a quase ninguém

E o meu medo é que isso está virando normal
Vai ficando difícil encontrar outra pessoa igual
Ao menos parecida, se a sorte permitir
E que escape depois do prédio acabar de ruir

É meu bem, sem dinheiro e sem status será que somos alguém?

Tudo o que represento, qual é a diferença?
Se o homem depende de um senso de recompensa
Se o que você é para os outros vale pouco ou nada
Sua vida é uma canoa e ela está furada

Não estou dizendo que isso não signifique
Muito menos que esta poesia seja suficiente e explique
O mal do mundo, a duração de um segundo, porque somos assim
Sei que há muita coisa boa, mas hoje prevalece o ruim

Eu quero acreditar, preciso me lembrar
Das palavras de tanta gente que revolucionou sem matar
Gandhi, Mandela, Tutu, de Masi, King, Lennon, Chico Science
E quando o pânico vem eu tento racionalizar!

Dá um tempo, Marcelo. Volta a rimar!

O que acontece e o que sinto no momento
É que o mundo e eu estamos nos estranhando
Aonde eu não concordo e ele, se lixando
O que me desgasta, me acaba, fico sozinho, reclamando

Tudo gira em torno da desumanização
Que nos aflige e imprena nossa civilização
Ocidental, super legal, tão racional, monumental
E no Brasil quem é honesto se torna um débil-mental!

Observe, somos tão sãos, no jornal o destaque:
Bomba mata não sei quantos no Iraque
Isso é prova que nossa cultura atual
Esqueceu do ser humano e se focou no capital

E é o mesma política que você condena
Mas também não acha que vida sem dinheiro valha a pena
Então, meu amigo, conviva com a pena
De reforçar a mentalidade que gera o problema

Eu repito e analiso, não tenho solução
Mas pelo menos já enxerguei o tal do X da questão
Isso me lembra que Focault falava sobre punição
Essa punição, meu irmão, não cai do céu, não!

Focault dizia que nossos chegados são os agentes da repressão
Eles te cobram, falam das novidades, se utilizam da razão
Para justificar nosso sistema que vincula o seu valor a sua capacidade 
De ação, de raciocínio, de emoção, 
Não, a sua capacidade de produção

Se sou o que produzo
E produção virou dinheiro
Como posso ser um ocioso
Se trabalho o dia inteiro?

Pinto, bordo, escrevo, recito
Nada disso os comove se não há uma receita
E isso não, repito, culpa do presidente ou da falta de um pleibiscito!
Isso é um sentimento, geral, ocidental que supera esquerda ou direita

Veja, só o meu caso, que coisa legal
Minha ex me largou por eu não ser produtivo
Dentre outras coisas, mas ela não poderia dizer
Que isso contou, o fato imediato de eu não ter
O que produzir, dinheiro para sair, roupas novas para vestir
Isso simbolizava que eu não bom partido para se reproduzir?

Como assim, ela não te quis porque você não a fez feliz?

Também, só não sei se essa felicidade estava no coração ou na carteira
Não que ela seja interesseira, não é isso. Mas é que ela, também pensava naquilo

Naquilo, sexo? Mas que safadeza!

Não, é isso, calma, pensa com clareza:

Ansiedade, sexo, consumo, reprodução, consumo, sexo, ansiedade, propaganda de televisão.

E no final, cansados e enfartados, a nossa extinção.

Extinção pessoal, nas não é nada pessoal, tudo faz parte do esquema, do problema, tudo está dentro do normal.

Entendeu? Não, explico denovo:

Ela queria alguém que desse estabilidade
E acho que seja quem for, será amado de verdade
Porque a verdade, porque o amor caíram mediante o capital
E hoje sua importância é medida pelo saldo do seu cheque especial

Mas é claro, ninguém admite tal coisa, seria horrível demais
E figimos que tratamos todo mundo como iguais
Voltando a ela, preciso enfatizar
Que ela é fruto de um sistema mais antigo, mais preciso e impossível de matar
Há não ser que uma caverna vire seu novo lar

Como ela não podia fugir, se deixou levar, sim
E passou a chamar de normal ou aceitável o que viu de ruim
E se enganou e engana com cada distração
Que encontramos em cima da cama ou em uma nova promoção

Liquidação, estão liquidando, mas não é só seu bolso
Seu juízo, sua sanidade, sua razão, vendidos parcelados
Na loucura sensorial dos shoppings e supermercados
Suas filas, tempo perdido e alimentos enlatados

Estão nos comprando em prestações...

Estamos no novo mundo que não é o da ficção
De compras na Siberian e corpos caídos no chão
Tudo dentro da mesma cidade, sociedade, não é armação

Provemos o milagre de criar mundos paralelos a menos de 400 metros de distância
Que abundância!

No mais, resta a esperança
Da minha alienação, ficar igual ao povão
Tirar a carteira da OAB
E fingir que o mundo se resume ao que vejo na TV

Torcer para o América
Jantar em algum lugar, uma vez por mês, olhe lá
Ir na casa lotérica, fazer uma aposta
Acreditando que o dinheiro me tirará desta...enfim

Não é tão ruim, pior se eu estivesse morrendo de tuberculose
Doença do século passado, mal que ainda é postergado
Sabe porque? Qual é o grande motivo?
É que tuberculose não é doença de rico!

Se não gera dinheiro, também não gera pesquisa
Não teremos a cura enquanto os doentes forem gente pobre 
ou lisa!

Assim sendo, será que precisamos de prova documental?
Para ver que nossa cultura, que amargura
Gira em torno do capital.


Peace, Out



 

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