quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Half-moon, Half-man.

The Everlasting Gaze - The Smashing Pumpkins


Você já foi à Lua? Eu já fui, e quase que me lasco na reentrada: é um chacoalhar que só quem já foi posto dentro de um liquidificador em movimento pode atestar. Você já foi posto em um liquidificador? Eu já: não foi bonito.

Ainda estou esperando minha cabeça parar de rodar, por sinal.

Meu nome é Severino e minha severidade não nasceu comigo: o cartório, criatura sem rosto que sabe antes de você qual será seu nome e o registra em um papel, peso leve que carregarás pela vida inteira, poderia ter batizado-me de Florisbelo e, ainda assim, eu seria Severino.

Porque, minha gente, quem nos dá Severidade é a vida e esta, pequenos sonhadores, não fecha para o almoço. Mas, lembremos que, mesmo nem tudo ser flores, o mesmo aplica-se aos horrores.

E eu, para não perder o fio da meada, falava da Lua e dos liquidificadores rodopiantes. Disse que meu nome é Severino e que o senhor cartório é quem escolhe mesmo o nome das pessoas: quem duvidar, tente registrar seu filho como Esprafegundo e verá.

Quando eu resolvi viajar à Lua, lembro-me bem, o fiz por tédio. Conhecer a Lua eu meio que já conhecia, sabe? Aquela sensação de ser cinco e ao mesmo tempo ser apenas um, enganando os bobos que te vêem de fora e acham que aquela variação é outra-coisa que não o brilho do sol.

Quando viajei à Lua, lembro-me da engenhoca que construí com fragmentos de sonhos que então já eram perdidos. Não bastasse o improviso, aquele negócio balançava demais. Tinha a forma de uma máquina remendada saída de um filme do início século passado. Quanto mais eu tentava imaginá-la, mais estranha se constituía. Fico pensando se o problema estava na escolha de fragmentos errados ou se, no fundo, o erro estava em mim e em todos os meus devaneios agridocemente imparciais.

Recordo-me que, pior que o decolar e seu espetáculo de chamas e ruptura, foi a reentrada. Novamente, não canso de repetir-me: o voltar à Terra pareceu-me mais penoso que qualquer turbulência.

Ah, aonde estava, mesmo? Para que estou escrevendo isso?

Sim, sim. A Lua...areia branca, limpa e fina. O Sol, onipotente, espelhando minha imagem grão-grão. Do resto, nada sei. Pouco sei, mas voltei...

Lembro-me do brilho solar e da areia branca e fina...

Mas porque estou escrevendo isto, mesmo?


-Retirado do diário de Severino, o profeta louco.
Circa 1830







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